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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A venda da falsa cura pela célula-tronco

Pesquisadores criam serviço que ajuda a identificar clínicas que vendem terapias sem a menor comprovação científica

Quanto custa a falsa esperança de cura para doenças para as quais ainda não há tratamento? Entre US$ 20mil e US$ 40 mil é o preço médio em clínicas espalhadas pelo mundo. Elas prometem, por meio de aplicações de células-tronco, reverter problemas diversos de saúde. Estima-se que existam cerca de 700 desses estabelecimentos em todo o planeta. Recentemente, a Universidade de Alberta, no Canadá, apontou os sites de 19 serviços que vendem o que, pela ciência, ainda não pode ser vendido.

Os sites oferecem terapias para doenças neurológicas, cardiopatias, lesões medulares, câncer e até Aids. Não há, porém, cura por células-tronco para nenhum desses males. “Os únicos tratamentos de eficácia comprovada até agora são os que usam células-tronco da medula óssea ou do cordão umbilical para tratar doenças do sangue”, esclarece Júlio Voltarelli, pesquisador da Universidade de São Paulo.
Além disso, os riscos envolvidos são altos. “As células-tronco são uma terapia de grande futuro, mas com um presente sombrio”, considera Ithamar Stocchero, presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Tecidos e Estudos das Células Tronco. Um caso emblemático tem servido de alerta à comunidade internacional para a necessidade de se frear o uso indiscriminado dessas terapias. O registro, feito por cientistas da Universidade de Toronto, no Canadá, é de um menino russo que recebeu células-tronco para o tratamento de uma doença neurológica. “A criança não melhorou e desenvolveu tumores cerebrais derivados das células transplantadas”, disse à ISTOÉ o cientista argentino Fernando Pitossi, membro da Sociedade Internacional de Pesquisas em Células Tronco.

Pitossi faz parte de uma força-tarefa montada pela entidade para atuar na vigilância às clínicas. Um dos resultados do trabalho foi a criação do site www.closerlookatstemcells.org (Um olhar mais atento para as células-tronco”, em tradução livre). Ele oferece o serviço de avaliação das clínicas – basta, para isso, que o paciente forneça o site do centro médico. É um passo importante para ajudar os doentes a não cair em armadilhas. Mas o período para a conclusão da análise, todavia, é longo – entre quatro e cinco meses – e a atuação da sociedade internacional, limitada. “Os países são soberanos para determinar os cuidados com a saúde de seus habitantes”, explica Pitossi.
Na prática, isso significa dizer que os limites para a atuação dos cientistas são determinados pelo bom-senso dos governos. E nem toda nação tem leis para coibir abusos, como a venda de terapias desprovidas de comprovação. O caso mais grave é o da China. Lá está a maior parte das clínicas e é para onde já foram alguns brasileiros. “O que observamos nas pessoas que voltam da China é a ausência quase total de benefícios”, diz Ricardo dos Santos, de Salvador, coordenador de estudos com células-tronco. Foi o que aconteceu com Laerte Colling, do Rio Grande do Sul. Portador de esclerose lateral amiotrófica, doença sem cura, ele foi à China e recebeu três aplicações de células-tronco. Mais de dois anos depois lamenta que a tentativa, que à época lhe custou R$ 60 mil, foi em vão. “Não houve melhora.”



                                                                            Expectativa
                                                      Solanir fez aplicações para deter a perda da visão.
                                  ainda aguarda sinais de que isso vai correr após o tratamento que fez na China.

É difícil, porém, convencer os doentes da inexistência de comprovação científica dessas terapias. “São pessoas com doenças graves. Se alguém lhes der uma perspectiva de melhora, por menor que seja, elas vão querer tentar”, diz Stocchero. É o que fará, novamente, Yoko Sugimoto, de Pernambuco. Há seis anos tetraplégica por causa de um acidente, em junho ela passou por sete aplicações de células-tronco, também na China. Para obter os cerca de R$ 100 mil gastos com a viagem, contou com os amigos, que fizeram campanha para arrecadar o valor. Yoko diz sentir um leve aumento na sensibilidade do braço e já se prepara para uma nova viagem ao país, no próximo ano.


                                                                        Tentativa
                                               Yoko se prepara para novas aplicações, na China,
                                                   na esperança de recuperar movimentos

Em São Paulo, Solanir de Morais é outro que espera por algum sinal de recuperação. Ele tem uma doença que provoca a perda progressiva da visão e, no meio do ano, gastou R$ 85 mil em oito aplicações, na China. Mas tem poucos avanços a relatar. Acha que a visão do olho direito está um pouco melhor, mas nada comparável à cura prometida. “A esperança que eles dão é que melhore até oito meses depois da aplicação. Estou esperando.”

                                                                       Decepção
                                         Laerte não melhorou da esclerose lateral amiotrófica






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