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sábado, 10 de julho de 2010
Incurável, autismo ainda é mistério para os médicos
Algumas áreas da medicina ainda despertam mais dúvidas do que esclarecimentos para a grande maioria das pessoas, e são temas de incansáveis estudos. A psiquiatria, responsável por tratar todos os tipos de problema mental, é uma delas. Principalmente quando se fala em males menos conhecidos, como o autismo, um transtorno de comportamento, sem cura, que se manifesta em crianças até os três anos de idade e compromete seu desenvolvimento.
Com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre essa síndrome, foi realizado em Porto Alegre (RS), no final de abril, o 1º Encontro Brasileiro para Pesquisa em Autismo, que reuniu especialistas de várias partes do mundo. De acordo com o presidente do evento, Rudimar Riesgo, neuropediatra e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “esse tipo de reunião é importante para que os profissionais que trabalham com o autismo possam trocar informações a respeito do diagnóstico e tratamento.
– Conseguimos formar uma rede, uma parceria com vários médicos.
O entusiasmo de Riesgo é compreensível. Ainda hoje, sabe-se muito pouco sobre as causas do autismo, apesar de haver um consenso entre a classe médica de que vários fatores estariam envolvidos no seu surgimento, entre eles genéticos, ambientais e clínicos (infecções durante a gestação). Mas ninguém sabe, exatamente, quais são eles.
O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, quando o psiquiatra austríaco Leo Kanner acompanhou 11 crianças que apresentavam séria dificuldade em se relacionar com outras pessoas. Apesar de não haver um estudo epidemiológico no Brasil, acredita-se que a incidência seja a mesma da encontrada no resto do mundo, que é de um caso para mil nascimentos. O que se sabe também é que a síndrome afeta mais as crianças do sexo masculino, na proporção de quatro meninos para uma menina.
Como entender o autismo
O autismo não é uma doença. É chamado de transtorno, ou síndrome, porque tem várias causas envolvidas em seu surgimento e vários sintomas. Devido a essa complexidade, seu diagnóstico é muito difícil. Nem todos os médicos estão treinados a identificar o problema.
A dificuldade aumenta ainda mais porque não há um exame laboratorial que revele o autismo. Todo o diagnóstico é realizado dentro do consultório, com exames clínicos. Segundo Gustavo Giovannetti, psiquiatra da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), “nos últimos anos, houve um aumento de interesse dos médicos, no Brasil e no mundo, para as pesquisas e os tratamentos.
– Mas ainda é muito aquém, não supre a demanda.
O diagnóstico se baseia em um conjunto de sintomas apresentados pela criança – em maior ou menor intensidade. Os principais são a dificuldade em se relacionar socialmente, ausência de comunicação e desvio na capacidade imaginativa, ou seja, o autista é incapaz de se colocar no lugar do outro, de imaginar uma solução para um problema e entender brincadeiras de faz de conta. Essas três características fundamentais são chamadas de tríade.
Dentro dessa tríade, há as particularidades. O autista tem aversão ao contato físico e a manifestações de carinho (até mesmo por parte da mãe), não apresenta linguagem verbal e gestual, isto é, não responde a estímulos, não consegue manter contato visual e não manifesta expressões faciais ou emoções (não significa que não tenha sentimentos) e apresentam comportamentos repetitivos.
Além disso, há um atraso no desenvolvimento físico e intelectual. Alguns autistas apresentam agressividade, não falam e dependem da ajuda de outra pessoa para se alimentar, tomar banho e se trocar. Tudo vai depender do grau do distúrbio. Por outro lado, há crianças que não tem comprometimento mental e manifestam interesses excessivos por determinados assuntos, como dinossauros, matemática e computação, aparentando uma inteligência acima da média. Essas crianças têm síndrome de Asperger, um tipo de autismo mais leve. E há os autistas que aprendem técnicas para conviver em sociedade e levam uma vida normal.
De acordo com Giovannetti, “o transtorno tem início na idade infantil, nos primeiros anos de vida"
– Em muitos casos é possível notar a falta de interação com família ainda de bebê.
Nesses casos, é comum notar um desconforto da criança no colo da mãe, a falta de interesse em brinquedos e em sons e também o fato de a criança não fixar o olhar em nada e em ninguém.
Foi o que aconteceu com o filho de Ana Maria S. Ros de Mello. Quando Guilherme nasceu, ela já era mãe de outras três crianças, por isso, achou estranho o olhar descoordenado e a postura corporal do bebê. Ana levou o filho, hoje com 31 anos, a vários especialistas, pensando que se tratava de um problema visual. Ela só recebeu o diagnóstico de autismo quando ele estava com cerca de três anos.
- Naquela época não havia muita informação. Os médicos não sabiam exatamente o que fazer. O médico que atendeu meu filho nos aconselhou a reunir outros pais de autistas para criar uma organização. Há 27 anos fundamos a AMA (Associação de Amigos do Autista).
Os principais tratamentos para o autismo
A maioria dos tratamentos inclui métodos de reabilitação, como terapia ocupacional, terapia comportamental, fonoaudiologia e, em muitos casos, o uso de medicamentos. Geralmente são usados antidepressivos e anticonvulsivos para controlar alguns sintomas como agitação, movimentos repetitivos e agressividade. É o tipo de acompanhamento que a AMA, em São Paulo, oferece às 180 crianças e jovens que estão sendo atendidas atualmente.
Letícia Amorim, psiquiatra que atende as crianças da AMA, diz que “há um programa especial para tratar problemas comportamentais, como o balanço de mãos e a agressividade”. Todos os cem funcionários e os cerca de cem estagiários, das quatro unidades, são treinados a lidar com as crianças.
Um dos alunos da AMA é Guilherme, de seis anos de idade. Sua mãe, Marta Jesus da Silva Lima, de 23 anos, conta que teve uma gestação normal e só percebeu que havia algo estranho quando o garoto completou dois anos. Ele parou de falar, começou a andar somente nas pontas dos pés e passou a evitar a companhia de outras pessoas.
- O Guilherme ainda não fala, mas seu comportamento melhorou muito depois que veio para cá, há dois anos. Antes ele era agressivo e usava fraldas, coisas que ele não faz mais. É difícil, toda mãe quer um filho perfeito, mas temos de arregaçar as mangas e ir à luta. Eu quero que ele seja independente.
Os mitos e as promessas da medicina para entender melhor o autismo
Muito se especulou a respeito das causas do autismo, e algumas teorias provocaram pânico em muitas famílias. Ainda hoje, há grupos de pessoas que apontam a vacina da rubéola como a responsável pelo surgimento do transtorno. Adailton Pontes, neurologista infantil do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz, afirma que “essa hipótese já foi abandonada há tempos.
– Vários estudos provaram que ela não é verdadeira.
Ele diz que também são falsas as afirmações de que o autista vive em seu próprio mundo e que não tem sentimentos nem emoções.
- Isso é incorreto. As crianças não têm um mundo próprio, elas têm dificuldade em compreender o mundo social, aquilo que se passa entre as pessoas. O autista não sabe como agir socialmente, mas isso não faz com que ele crie uma sociedade interna. Ele tem é uma confusão dentro da mente.
Para quem está envolvido diretamente com os mistérios do autismo, há alguns estudos que prometem ajudar no entendimento do transtorno. Um deles aposta na genética e indica que há 20 genes envolvidos no autismo. O desafio, agora, é conseguir descobrir como e de que maneira eles agem.
Outra linha de pesquisa que está sendo explorada, segundo Pontes, é a que indica a existência de um componente imunológico envolvido.
- Haveria nos autistas uma alteração no sistema imune, o que causaria uma alergia no início do desenvolvimento do feto. E a maioria dos que têm síndrome de Asperger é alérgica.
Ele lembra ainda do estudo de Bacon Cohen, um psiquiatra inglês, que explicaria porque há uma maior incidência do autismo em meninos. De acordo com o trabalho, hemisfério direito do cérebro é ligado à intuição e o esquerdo ao raciocínio lógico. Em crianças normais, há um equilíbrio entre os dois lados, tanto nas meninas quanto nos meninos.
- No cérebro do autista foi constatado que há uma atividade maior no lado esquerdo, há um desequilíbrio. Fizemos um teste aqui no instituto e encontramos esse desequilíbrio, mas não sabemos como isso começa.
Há também um estudo que aposta na ocitocina, um hormônio produzido na área do hipotálamo que regula as emoções e fortalece o vínculo de afeto natural entre mães e filhos. Testes mostraram que, quando ele é usado artificialmente em autistas, há um aumento na confiança da criança em outras pessoas. Tratamentos à base de ocitocina ainda estão em fase experimental, mas é mais uma esperança para médicos e pais.
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